Sunday, January 02, 2005

Herberto Helder
Sobre o Poema
Um poema cresce inseguramentena confusão da carne,sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,talvez como sangueou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo.Fora, a esplêndida violênciaou os bagos de uva de onde nascemas raízes minúsculas do sol.Fora, os corpos genuínos e inalteráveisdo nosso amor,os rios, a grande paz exterior das coisas,as folhas dormindo o silêncio,as sementes à beira do vento,— a hora teatral da posse.E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.Insustentável, único,invade as órbitas, a face amorfa das paredes,a miséria dos minutos,a força sustida das coisas,a redonda e livre harmonia do mundo.
— Embaixo o instrumento perplexo ignoraa espinha do mistério.
— E o poema faz-se contra o tempo e a carne.

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